Mar Morto

 Resenha por Bianca Ramos

Autor: Jorge Amado

Editora Record, 1985

Livro Físico, 223 páginas



Sinopse

“A vida dos marinheiros no cais de Salvador, com sua rica mitologia que gira em torno de Iemanjá, é o tema central de Mar morto, um painel lírico e trágico sobre a luta diária desses trabalhadores pela sobrevivência.

Personagens como o jovem mestre de saveiro Guma parecem prisioneiros de um destino traçado há muitas gerações: os homens saem para o mar que um dia os tragará, levando-os com Iemanjá para as lendárias terras de Aiocá, e as mulheres os esperam resignadas no cais. No dia em que eles não voltarem, elas cairão na miséria ou na prostituição. Lívia, amada que busca em vão libertar Guma do chamado do mar, desempenhará um papel pioneiro na mudança de condição da mulher.

Em torno de Guma e Lívia entrelaçam-se os dramas de inúmeros personagens muito vívidos: do preto Rufino e sua volúvel mulata Esmeralda; do velho Francisco, tio de Guma, que conserta redes desde que se tornou incapaz de enfrentar o mar; da valente e desbocada Rosa Palmeirão, de punhal no peito e navalha na saia.

É com grande lirismo que Jorge Amado narra esse cotidiano de trabalho árduo, marcado pelo risco de vida que se apresenta a todo momento. Em Mar morto, homens e mulheres do cais da Bahia vivem cada dia como se fosse o último. Paixão e trabalho, instinto e sobrevivência se conjugam de maneira trágica.”

FONTE: http://www.jorgeamado.com.br/obra.php3?codigo=12574#n


Resenha

Olá, caleidoscópios! Como vocês estão? Espero que todos estejam bem!

Então, hoje vamos iniciar o nosso “mês dos clássicos”. Bia, o que isso significa? Ora, às quintas, durante todo este mês, vamos postar clássicos da literatura brasileira e autores famosos! 

Bom, antes de iniciar propriamente a resenha, como eu gosto sempre de lembrá-los, não sou formada em letras e nem especialista em literatura. Ou seja, vou dar aqui a minha opinião pessoal sobre o livro, a história, o que eu achei e mais gostei, sem entrar muito em termos técnicos, essas coisas. Tenho conhecimento da importância dessa obra e fiz algumas pesquisas, mas não tenho perícia e técnica para me aprofundar tanto assim, logo, se estão lendo isso para algum trabalho da escola... Este não é o melhor texto! 

Bom, iniciando é preciso dizer que Jorge Amado é um escritor brasileiro famoso, ainda mais se considerarmos que várias de suas obras foram adaptadas para novelas, filmes e peças teatrais, como Gabriela, Dona Flor e seus Dois Maridos e Capitães de Areia. Trata-se de um autor que vivenciou o segundo tempo do modernismo, isso significa que seus livros fazem exposições realistas dos cenários rurais e urbanos da Bahia, estado em que nasceu e morreu. 

Mar Morto foi publicado em 1936 pela primeira vez, sendo que possui várias edições com diversas capas, ilustrações, entre outros. A minha edição é de 1985, sim, eu nem era nascida quando este livro foi adquirido pela minha mãe, que passou para mim... E se as coisas continuarem assim, esta obra pode virar uma herança de família. 

Deu alergia ao ler? Claro! Porém, valeu a pena. As páginas desgastadas, a impressão de época, as ilustrações, tudo tornou a experiência literária mais rica! 

Bom, sobre o livro, nós temos uma coletânea de narrativas da beira do cais da Bahia, ou seja, dos marinheiros, mestres de saveiro (o barco, não o carro), de pessoas que foram parar ali de um jeito ou de outro, acabaram naquele lugar em que a miséria e as superstições reinam. No entanto, não se trata de coletânea de contos, pois vamos obtendo essas histórias através do nosso personagem principal Guma, ou Gumercindo, um mestre de saveiro que passou toda a sua vida naquele local. 

O homem, já temos conhecimento no início do livro, é casado com Lívia e navega há muito tempo. Uma coisa a se ressaltar é que a obra começa quando o casal já está junto, mas depois volta no tempo, para acompanharmos a história de Guma e as adjacentes também. 

Começamos tudo com uma tempestade forte que derrubou dois homens ao mar, sendo que todos os personagens que temos contato estão preocupados, principalmente Lívia, cujo marido deveria retornar naquele dia. No entanto, mesmo com medo, a mulher continua ali, esperando que seu esposo chegue para seus braços. 

Descobrimos que os homens que caíram no mar são Raimundo e seu filho Jacques. Logo de cara, já somos apresentados a uma dura realidade daquele povo, pois é comum – e doce, como diz a canção – morrer no mar.

Percebemos isso quando Lívia vai até a casa de Judith, a viúva, mesmo sem Guma ter chegado, para prestar suas condolências e ajudar. Neste ponto, vemos que todas as mulheres presentes sentem empatia por ela, mas também compreendem aquela dor muito bem, pois entendem que esse é o destino delas. Ou seja, não é somente Judith que perdeu o marido, mas todas as esposas daquele lugar, pois passarão pela mesma coisa em alguma hora.  

Isso me tocou bastante, pois deve ser muito ruim viver com o sentimento de que a pessoa que você ama pode morrer a qualquer momento. Obviamente que há várias pessoas que vivem com esse sentimento constantemente, mas mesmo assim, ler a experiência foi tocante e emocionante. Ou seja, o livro já começa te dando um tapa na cara e mostrando que a leitura não será daquelas fofas. 

Embebida daquele sentimento de luto compartilhado, Lívia consegue um momento com seu esposo, que retornou com os cadáveres que caíram ao mar. Naquele momento, temos o primeiro vislumbre do que Iemanjá representa para a mulher, pois a personagem sente inveja da senhora dos mares! Isso porque no final, Janaína (um de seus nomes) um dia levará Guma, ficando com ele debaixo d’água, enquanto que ela ficará sem seu marido na terra. 

Aqui, mudamos de ponto de vista, pois ao mesmo tempo em que Lívia começa a ter este sentimento por Iemanjá, há o pensamento de Guma que, quando morrer, a esposa terá que arrumar outro homem para si. É neste momento em que começamos a acompanhar as coisas sob a perspectiva de Gumercindo, desde o ponto em que foi deixado na casa de seu tio Francisco, até os dias atuais. 

Gumercindo é filho de Frederico, irmão de Francisco. No entanto, não criou o filho, já que o deixou aos cuidados do irmão e um dia, como todos eles, morreu no mar, sendo que, na mesma ocasião, a esposa de Francisco também faleceu. Deste modo, Guma foi criado pelo tio, em cima de uma saveiro, navegando. 

Porém, Guma tem mãe e um belo dia a mulher decide retornar ao cais, a fim de conhecê-lo e levá-lo embora, pois pretende criar seu filho. A mulher fala com Francisco, mas o tio recusa-se a deixar que o sobrinho seja levado, afinal, Gumercindo é tudo que lhe sobrou e nasceu para ficar ali, navegar e morrer no mar, indo para os braços de Iemanjá. No final, a mãe do rapaz, que agora é “mulher da vida”, ou seja, prostituta, cede ao apelo de seu “cunhado” e deixa o filho aos seus cuidados, com a garantia de que poderá voltar a vê-lo. 

Descobrimos que ela não retorna e, ao mesmo tempo, vamos acompanhando como é crescer naquela realidade do cais. Guma frequenta a escola até aprender a escrever seu nome e mesmo que a professora, Dona Dulce, queira mandá-lo para a escola técnica, não consegue... O destino dele é ser mestre de saveiro e morrer no mar. 

Uma coisa que se repete otempo todo é isso “morrer no mar”, inclusive, o autor transcreve uma canção em vários momentos em que o cantor afirma que “é doce morrer no mar”. É um conformismo com o próprio destino e, ao mesmo tempo, uma vitória, pois, por exemplo, tio Francisco não navega mais por causa da idade, morrerá na terra e não se sente feliz com isso. 

Uma personagem icónica e que fez parte da vida de Guma é Rosa Palmeirão, uma mulher forte que não leva desaforo para casa, anda com uma navalha e não tem dó de quem a desrespeita, já foi presa, bateu em homens e tem uma fama que a precede. A mulher volta para o cais da Bahia quando Gumercindo era ainda jovem e se encanta pelo rapaz, com quem inicia um caso de amor.

No entanto, descobrimos que a mulher, por trás de  toda a fama durona, quer ter um filho, mas é velha demais para conceber. Ela tenta engravidar de Guma e quando não consegue, passa a tratá-lo como filho, mesmo ainda mantendo seus encontros sexuais com ele. Problemático? Sim, mas eu não sou psicóloga então nem tento entender e explicar este fenômeno. 

Bom, Guma e Rosa Palmeirão continuam neste romance, até o fatídico dia em que há uma embarcação precisando de auxílio, no meio de uma tempestade. Os filhos de um dos homens do cais está lá e ele oferece a quem quiser uma quantia em dinheiro, mas ninguém vai, por saber dos perigos. Praticamente todos os mestres de saveiro e “homens do mar” que ali estavam, sabiam que aquela seria uma missão suicida, mas mesmo assim, impelido de coragem e por não ter medo da morte, além de se solidarizar com o companheiro, Gumercindo aceita ir. 

Vocês acham que isso vai dar certo? Já adianto que Guma não conheceu Lívia ainda e nem Raimundo ou Jacques morreu então... O que essa noite significará para o nosso protagonista? Isso vocês vão descobrir se continuarem lendo a resenha, na parte de spoilers, ou também podem ler o livro.

Bom, sobre a leitura vou sincera e dizer que fui positivamente surpreendida. Não esperava um livro com uma carga emocional assim e muito menos com uma narrativa envolvente e que me prendesse tanto! Confesso que nunca tinha dado muita atenção ao autor, mas agora quero ler outros livros dele, inclusive se tiverem indicações sobre os melhores, estou aceitando. 

A leitura fluiu bem, apesar de ter demorado um pouco para engatar. A primeira parte é um pouco cansativa, mas a segunda e terceira são emocionantes, primeiro porque Guma é um personagem intrigante e segundo porque você quer saber o que realmente vai acontecer. O livro não tem um enredo principal, ele é cercado de histórias e mais histórias que se conectam e vão fazendo uma rede. 

Eu gostei bastante e recomendo a leitura. Fiquei muito emocionada com o final, que surpreendeu ainda mais pelas atitudes e decisões de Lívia. Se eu for bem honesta com vocês, para mim a melhor parte deste livro são as mulheres do cais! Enfim, leiam e se apaixonem também! Vale a pena! 

Caso você vá parar de ler aqui, por causa do spoiler, não se esqueça de seguir a gente no Instagram (@caleidoscopio_literario) e deixar sua opinião nos comentários! É muito importante! 


AVISO! A PARTIR DESTE PONTO CONTÉM SPOILER

Se você não gosta, não continue!


Agora começam os spoilers, se você está com pressa e não leu o aviso acima, estou te avisando de novo... A partir deste momento, teremos spoilers!

Então, continuando com a história, Guma entra na saveiro em plena tempestade e vai socorrer a embarcação. Neste momento vemos o lado “corajoso” do nosso protagonista, pois a verdade é que o mestre não tem medo de morrer, para ele é uma oportunidade de estar com Iemanjá e ir para as Terras de Aiocá, onde a rainha dos mares leva todos os homens que morrem em suas águas. 

Uma coisa precisa ser dita, Jorge Amado soube bem explorar as religiões de matriz africana, pois tem noção de que o leitor muitas vezes pode ficar perdido em algumas partes. Por isso, introduz explicações sobre o que fala, um exemplo foi dedicar um capítulo inteiro para explicar o culto a Iemanjá, como ela era conhecida pelos homens do mar, o modo como é chamada, qual a sua origem e a sua função. 

Voltando, Guma encara a tempestade e mesmo tendo certeza de que irá morrer, não tem medo. No entanto, não era naquele dia que Iemanjá o queria, pois o rapaz consegue auxiliar a embarcação, salvando as pessoas que ali estavam e ganha uma boa fama no cais.

Depois disso, temos a festa de Iemanjá, onde todo o seu culto é explicado e é neste momento que Guma pede a mãe e esposa do mar para que lhe dê uma mulher como ela, para amar e adorar. E o seu pedido é atendido, pois neste momento o rapaz conhece uma garota linda, que não tira os olhos dele o tempo todo e que ganha seu coração imediatamente, sendo que ele reconhece-a como o presente que Janaína enviou para si. 

Qual a surpresa ao descobrirmos que essa mulher é Lívia? Pois é, acabou que a moça foi uma das pessoas que estava na embarcação e que foi salva por Guma. E para melhorar ainda mais a situação, ela foi à festa de Iemanjá apenas ver seu salvador e agradecê-lo... Descobrimos também que a garota é irmã de Rodolfo, um dos amigos de infância de Gumercindo e exímio ladrão, diga-se de passagem. 

Neste ponto vou fazer mais uma ressalva, Jorge Amado não mascara a miséria, o crime, as coisas erradas e ilícitas que seus personagens fazem. Pelo contrário, ele não tem medo de tratar do assunto com naturalidade, mostrando a realidade do caís como, provavelmente, era na época. Um exemplo disso é Rodolfo, que é bandido porque quer e é preguiçoso para trabalhar, ou o médico do cais, que realiza abortos nas mulheres que lhe pedem sem dor na consciência, ou até mesmo em Guma, que não é um protagonista certinho e heroico. 

Voltando a história, nosso personagem principal descobre a identidade de Lívia e fica ainda mais caído de amores por ela, sendo que através do irmão dela, marcam de se encontrar.. No entanto, no mesmo dia ele se mete em uma confusão e acaba indo parar em uma casa de prostituição, mas nem era para estar naquele lugar a princípio. 

Pois é, Guma estava apaixonado por Lívia, mas não morto! A pedido de seu amigo, de nome Traíra, acabou no meio dessa confusão toda, onde tinha tiro e facada! 

No meio disso tudo, uma das garotas da casa morre para salvar Gumercindo e seu amigo é atingido com um tiro. Eles precisam de uma operação de guerra para levá-lo ao cais e confesso que eu quase achei que não daria tempo e, ou o homem ferido morreria ou a polícia os acharia, e então os dois estariam mortos. 

Mas eles conseguem fazer a travessia inteira e temos o nosso primeiro contato com Dr. Rodrigo, um médico que foi parar no cais, que gosta de poesia e que ninguém sabe exatamente o motivo que o levou a tanta miséria. No entanto, o personagem é cativante e vemos um lado importante, do homem letrado que atua para salvar as pessoas e levar pelo menos um pouco de dignidade a elas. 

Agora, vocês pensem comigo... Em 1936 Jorge Amado apontou isso em seu livro e até hoje, em 2021, quase cem anos após os escritos, ainda estamos brigando pela mesma coisa: que pessoas tenham uma vida digna, com saúde, saneamento básico, higiene e o direito de poderem viver livremente e não apenas sobreviver. A sociedade mudou de alguma forma? Então porque a luta pelo básico, por moradia, saúde, alimentação, ainda continua? Não deveríamos estar superando estes problemas para buscar outras lutas? 

Pensem consigo mesmos, mas sim... Eu fiquei me perguntando isso enquanto lia. Os problemas que o autor nos apresenta AINDA não estão solucionados. As populações periféricas ainda são vulneráveis e não têm acesso a direitos básicos, e isso é uma vantagem de se ler literatura brasileira, principalmente as mais realistas, pois temos noção de que sociedade viemos e para onde estamos indo. 

Bom, Guma levou Traíra para o Dr. Rodrigo, mas o homem estava delirante, só falava em sua esposa e nas três filhas que estava deixando para, praticamente, viver na miséria, sem pai. Então, mesmo com todos os esforços do médico, ele morreu, sendo que isso afeta diretamente o nosso protagonista. 

Como Guma estava com encontro marcado com Lívia, ficou se questionando o tempo todo se seria justo arrastá-la para esta vida de “mulher do cais” que não tem luxo, fazê-la ficar viúva cedo e precisar se virar para continuar vivendo e alimentando seus filhos. Ainda mais considerando que a garota não é pobre, mas também não é rica, e pode conseguir um casamento melhor. 

Com este pensamento, nosso protagonista não vai ao encontro. Mas vocês acham que Guma vai conseguir ficar longe de Lívia? E como a história deles se desenvolverá? O mestre de saveiro vai deixar o cais ou irá morrer no mar, como diz a canção? Isso vocês só vão descobrir lendo! 

Como eu já disse antes, o livro é ótimo e vale cada página lida. Não é uma leitura doce, fácil e tranquila, dá trabalho, assusta, mexe com a nossa cabeça, mas acredito ser muito necessária e bastante enriquecedora! 

Leiam, vocês não irão se arrepender, eu garanto! Dá vontade de conhecer de perto o universo narrado pelo autor, para saber mais e também para ver se aquilo é realmente verdadeiro ou somente fruto da imaginação de Jorge Amado! 

Se você gostou dessa resenha, deixe um comentário com sua opinião (não custa nada)! Contem para nós se vocês também gostaram? Um ponto que não foi citado, se a resenha ajudou na leitura e essas coisas! 

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